2/21/2008

Coisas do Pedro

Uma das coisas que o Pedro mais gostava de fazer, era subir ao cimo do pequeno monte que se erguia por detrás do quintal da avó e recostar-se - meio sentado meio deitado - no tronco do castanheiro, que se dizia já existir no tempo do último rei.
Naquela tarde, depois do almoço de galinha com massa, que a avó tão bem fazia e que ele tão bem comia, e enquanto olhava as folhas do castanheiro formarem imagens animadas pela leve brisa, adormeceu.
Quando acordou, debaixo do mesmo castanheiro, no cimo do mesmo monte, a primeira impressão que lhe atingiu os olhos fê-lo exclamar um longo, haaaaa!, entre o incrédulo e o espantado, semi-serrar os olhos e abri-los novamente, desta vez esbugalhados: O que via não correspondia ao que se habituara a ver, desde que tinha memória de vir passar as férias: não via a mancha dos telhados laranja da Vila do Oeste, que se estendiam ao fundo para a direita, até desaparecerem escondidos pelas ramadas, ainda com as uvas verdes, que cobriam os caminhos da Quinta dos Pessegueiros; não via a Fábrica do Azeite, nome pomposo que davam a uma pequena construção de pedra onde estava instalada uma prensa de azeite que nunca chegou a funcionar, porque em quilómetros em redor não havia uma única oliveira; não viu nenhuma das milhares de amendoeiras que cobriam todos os montes, até perder de vista, tanto à esquerda, como à direita, tanto para baixo, como para cima e para lá da vila.
Por esta altura, já o Pedro se tinha posto a pé e já se tinha afastado - de boca aberta, olhos arregalados e passos hesitantes - do castanheiro, para o qual ainda lançava rápidas miradas, para se assegurar que também ele, o castanheiro, não era absorvido pela louca fantasia que envolvia todo o resto à sua volta e que só agora começava a enumerar.
No lugar da vila, à direita do castanheiro, não existia nada. Ou talvez houvesse alguma coisa. Mas para o Pedro, não ver as casas e os seus telhados era a mesma coisa que não ver nada, pois no seu lugar estava um vazio numa cor entre o cinzento da cinza e o cinzento do cimento, muito liso e a reluzir, muito parecido com uma estrada muito larga e muito curta (-- Será uma pista de aviação? Interrogou-se).
Da Quinta dos Pessegueiros e das suas ramadas, não havia sinal: completamente inexistentes.
Amendoeiras? Nenhuma, só montes azuis – sim azuis – de um azul quase FCP, mas sem o ser bem.
Nesse instante o Pedro apercebeu-se que os montes pareciam ondular inquietos, ao mesmo tempo que sentiu comichão nas canelas e compreendeu, ao olhar para os pés, que as suas sapatilhas desapareciam numa fina e densa penugem que se agitava ora para um lado ora para o outro, embora não se sentisse nenhum movimento no ar.
Levantou novamente os olhos para observar que, nos limites do seu ângulo de visão, se encontravam as coisas mais extraordinárias de todas as que podia imaginar (isso pensava o Pedro, mas estava errado como brevemente viria a constatar):
Para a sua esquerda, por entre dois dos montes ondulantes de azul, erguiam-se, mais altas que os mais altos montes, três torres que irradiavam cada uma a sua cor - verde garrafa, amarelo canário e vermelho cereja madura – torres essas que mais pareciam faróis, todos de vidro, desde a base que não via (tapadas que estavam pelos montes) até ao cimo, de que não conseguia distinguir o fim.
-- São as cores dos semáforos, pensou. Que semáforos gigantescos!
Foi então, ao procurar distinguir o fim de tão inesperadas construções, seguindo com os olhos a ascensão infinita das torres, que o Pedro teve a surpresa das surpresas indesejadas, que transformou imediatamente as suas pernas em gelatina, que o fizeram ajoelhar, tombar sobre as costas e a contemplar estarrecido… o que não conseguia entender.
Por momentos não pensou nada, os olhos inertes. Aos poucos foi-os mexendo, devagar. Por fim tomou consciência, como quem toma consciência depois de ter sido atingido por um raio: com incredulidade viu. Viu o que era por demais evidente, o que sempre estivera ali, o que ocupava mais espaço em toda a paisagem, o recreio dos pássaros, o lugar das estrelas, o sítio dos sonhos, o desejo oculto de todos: viu o céu, e viu que não era azul, era da cor das laranjas. Cor de laranja com enormes pintas brancas! Como a toalha de chita da avó! Como qualquer joaninha anémica! Laranja com pintas brancas da camisa de um joker!
Era demais. Estava indignado.
A sua expressão, que tinha passado em poucos segundo de espanto para terror, era agora de ira, os dentes a doerem de tanto os ranger. Levantou-se de uma só vez, as pernas refeitas e revigoradas e berrou com quantas forças tinha:
-- Montes azuis? Tudo bem (até já tivera essa ideia de pura simpatia clubista).
-- A vila? Que se dane! (Nunca gostara da vila pelo cheiro a água choca que lá existia. Parece que já estavam a tratar dos esgotos. Agora já era tarde! Tivessem sido mais ágeis…).
A voz tornou-se mais macia.
-- A Quinta dos Pessegueiros? Podiam ter perguntado! (Já tinha saudades daquelas frescas ramadas, daquele tanque, que mais parecia uma piscina… e da Teresinha que mais parecia uma princesa!).
-- Tudo o resto, tanto me faz! (Não era bem assim, mas a razão já não o acompanhava).
Inspirou fundo. Cerrou os lábios.
Numa voz baixa vinda da profundeza das suas ainda pequenas entranhas, rosnou:
-- Agora tirarem-me o céu, o meu céu azul, isso nunca!
Apertou os dedos da mão direita e desferiu um violento soco na direcção daquele inadmissível e inatingível céu.
Foi quando abriu os olhos e acordou do seu sonho, com um grito de dor, pois tinha acabado de atingir, com toda a força do seu punho cerrado, o tronco do castanheiro.
Imediatamente olhou o céu.
Estava azul, do azul mais bonito, mais límpido que alguma vez se lembrava de ver.
As lágrimas saltaram-lhe dos olhos, pela dor dos dedos esfolados mas sobretudo pela alegria de voltar a ver o seu céu!
É o que faz comer alarvemente a galinha com massa da avó e depois deitar-se e adormecer a fazer a digestão:
Sonhos indigestos … abençoado céu!
Nota: Ver comentários

2 comentários:

José Alves disse...

OBJECTIVOS DE "COISAS DO PEDRO"
Depois de leres a história do Pedro, escolhe dois dos seus momentos da história e ilustra-os, em duas folhas de papel cavalinho de formato A5, utilizando lápis de grafite e lápis de cor. Faz por preencher com muita cor as folhas de papel e não te esqueças de te identificar, com o teu nome, número e turma, a esferográfica, com letra muito certa e no canto inferior direito da folha.

José Alves disse...

NOTAS SOBRE "COISAS DO PEDRO", FICHA PARA A DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO VISUAL
1. Os enunciados são para devolver ao professor que os distribuiu.
2. Os alunos necessitam de material que se encontra nas suas capas dentro da arrecadação, pelo que é necessário que o(a) auxiliar de acção educativa do módulo abra a porta e posteriormente a feche.
3. Para levantar as capas só entram na arrecadação o(a) delegado(a) e o(a) sub delegado(a). Caso não estejam presentes entrarão apenas dois alunos indicados pelo professor.
4. O professor supervisionará o levantamento e a deposição das capas.
5. Os trabalhos efectuados deverão ser colocados dentro da arrecadação no topo da pilha de pastas da turma ou confiados à guarda do(a) auxiliar de acção educativa.